segunda-feira, 9 de abril de 2018

Depois a louca sou eu

Estava numa dúvida tremenda sobre qual livro ler porque na verdade nenhum havia chamado minha atenção (e os que estão na minha wishlist literária ainda estão muito caros 😂), até que me deparei com a autora Tati Bernardi e automaticamente voltei no tempo.

Conheci a Tati em 2009/2010, quando me apaixonei pela primeira vez e não fui correspondida da forma que deveria. Me identificava com os textos dela num nível "meu Deus, alguém invadiu minha mente e expôs tudo o que estou vivendo e sentindo". Já chorei, sorri, gargalhei e chorei mais um pouco lendo cada uma de suas palavras e em alguns momentos (aqueles em que ninguém aguenta mais ouvir o nome do fulano) elas foram minha única companhia. 

Sempre amei escrever e - como me identificava com ela - passei a também me inspirar. Algo como "o que a Tati diria sobre isso?" inconsciente. Frases como "a vida fica surda sem você porque o volume do mundo abaixa para ouvir o meu grito interno" "não te escrevo porque nada mais tem o tamanho do que quero dizer" "o fim do amor é ainda mais triste do que o nosso fim" "eu passo quieta por você, você passa quieto por mim e eu ainda escuto o barulho que a gente faz" "talvez meu amor tenha aprendido a ser menos amor só para nunca deixar de ser amor" e textos como "a rede social" e "eles se amam" marcaram (literalmente - em todos os sentidos da palavra) a minha vida.

Infelizmente meus textos antigos foram excluídos-definitivamente-sem-sequer-uma-porra-de-backup há alguns anos num momento de surto quero-apagar-o-fulano-da-minha-existência-porque-ele-é-um-inútil-e-não-merecia-ter-me-conhecido combinado com ciúmes irracionais do meu namorado da época (hoje noivo), mas alguns - modéstia a parte - realmente pareciam ter sido escritos (ou ao menos supervisionados) por ela.

Há 6 anos atrás quando minha mãe veio para o Brasil (ela mora em Portugal) fomos na livraria Travessa do Barra Shopping e eu estava louca atrás de um livro da Tati Bernardi. Já havia procurado em diversas livrarias de shoppings da Baixada Fluminense, Zona Sul e Zona Norte e não encontrava de jeito nenhum. Me enchi de esperanças de achar lá por ser uma livraria enorme e - para minha felicidade absoluta - finalmente tinha! 'A menina da árvore'. Estava super empolgada até minha belíssima mãe olhar para o livro e dizer "não vou comprar, cultura inútil". Que ó-d-i-o! Mas aos 16 e sem nenhum centavo no bolso, não tinha muito o que questionar. No fim acabei levando Cinquenta Tons de Cinza (rs). Ainda não era famoso, nunca havia ouvido ninguém falar sobre, mas a capa me chamou atenção, mostrei a descrição pra ela e ela aprovou. Não vimos o aviso de conteúdo erótico, só descobri quando cheguei em casa e pesquisei sobre ele. Irônico, não? "Cultura inútil", aff!

Nesse mesmo ano (2012) comecei a namorar com meu atual noivo e passei por uma fase feliz-demais-para-ler-Tati-Bernardi que ia e voltava com frequência, até que depois de uns 2 anos se estabeleceu e permaneceu até dia 20/02/18 (data em que comecei a ler esse livro) - com exceções dos momentos de nostalgia. E foi nesse mesmo dia conheci um lado da Tati que eu nunca havia explorado e que hoje me identifico bastante: o monstro da ansiedade.


EDITORA: Companhia das Letras;
• I.S.B.N.: 9788535926576;
• NÚMERO DE PÁGINAS: 144;
• ANO DA EDIÇÃO: 2016;
• AUTORA: Tati Bernardi;

SINOPSE: "Em Depois a louca sou eu, Tati Bernardi escreve sobre a ansiedade com um estilo escrachado, ágil, inteligente e confessional. As crises de pânico, a mania de organização, os remédios tarja-preta e os efeitos da ansiedade em sua vida aparecem sob o filtro de uma cabeça fervilhante de pensamentos, mãos trêmulas, falta de ar e, sobretudo, humor.
Tati consegue falar de um tema complicado, provocar gargalhadas e ainda manter o pacto de seriedade com o leitor. A capacidade de rir de si mesma confere a tudo isso distância, graça e humanidade. Depois a louca sou eu é a entrada em cena de uma escritora que ombreia com os melhores da nova literatura brasileira."


RESENHA: A experiência de ler esse livro no ápice da crescente da minha ansiedade foi sadicamente interessante. Em alguns momentos senti que devia dar uma pausa, mas queria continuar lendo e - assim como quando eu era criança e colocava sal em meus machucados - apesar dos pesares continuei ininterruptamente.

O livro reúne uma série de histórias reais vividas pela Tati onde o medo foi seu maior rival. Momentos em que ela travou lutas internas contra o monstro da ansiedade enquanto precisava desempenhar suas tarefas rotineiras simultaneamente. Dias em que a desesperança e o desespero tomaram conta do seu ser por razões que certamente causariam estranheza àqueles que respeitam suas bordas mentais, mas que gerariam uma inexplicável sensação de conforto àqueles que - assim como eu - violaram toda e qualquer delimitação psíquica - não por satisfação pela martirização alheia e sim pela companhia em meio ao infindável abismo da solidão psicológica.

Porém não se deixe enganar pelas minhas profundas e tristonhas reflexões: a abordagem que a Tati utiliza para descrever todas essas situações é tudo, menos deprimente. Um humor tão ácido quanto sincero que dá sentido à expressão "rir para não chorar". Ri, chorei, gargalhei, sofri e - no fim - sorri.

Está a anos-luz de ser um livro de autoajuda, mas para mim funcionou como tal. Algumas crises foram desencadeadas durante e após a leitura devido a descrição minuciosamente detalhada do turbilhão de pensamentos que regem meus piores pavores, porém elas foram - na medida do possível - benéficas pois passei a me permitir senti-las em vez de somente temê-las. Minha visão se expandiu e esse foi o pontapé inicial para que eu tomasse decisões importantes sobre o rumo da minha vida me baseando única e exclusivamente nas minhas próprias vontades.


Ao acessar o arquivo de clippings do meu Kindle me assustei com a quantidade de trechos destacados pois - por não ter conseguido definir quais foram os meus capítulos favoritos - decidi comentar brevemente sobre cada uma das citações que mais me identifiquei e - como foram várias - precisei reduzi-las ao máximo. Restaram 11 e, ainda que continue sendo muita coisa, tive que deixar no mínimo 10 de fora. A frase que utilizei no início dessa postagem ("meu Deus, alguém invadiu minha mente e expôs tudo o que estou vivendo e sentindo") nunca fez tanto sentido.

CITAÇÕES:

"Escrevo para saber que tenho bordas, como um morto na cena do crime. Talvez escrever me salve diariamente de não enlouquecer de verdade." (Página 5)
Ter lido essa frase logo no início do livro me impactou profundamente e me fez viajar no tempo. Lembrei de todas as razões que me levaram a começar a escrever e concluí que, de fato, sem a escrita teria sido impossível superar algumas situações. Interpretei o "bordas" como limites pois o ato de colocar no papel nossos sentimentos e pensamentos faz com que tenhamos uma visualização palpável do que somos - o que, ao menos para mim - é impossível fazer de outra forma senão essa.

"Quando comecei a escrever, foi para não me assustar tanto guardando tanto só para mim." (Página 5)
E - pegando o gancho do que estava falando sobre a citação anterior - escrever também é para mim uma maneira de mensurar. Só temos consciência da importância que algo tem para nós quando o expomos. Guardar faz com que esse algo  - principalmente se for negativo - se torne maior do que é de fato. Escrever não resolve nenhum problema, mas te mostra o caminho para a solução de todos eles.

"Pode parecer papo de velha, e claro que a coisa piora com a idade. Mas eu já pensava essas coisas aos quinze anos. Eu sempre pensei essas coisas, desde que comecei a pensar coisas." (Página 8)
Eu já pensava essas coisas aos 5 anos quando abraçava o meu pai de olhos abertos na esperança de registrar aquela cena eternamente na minha mente. Eu já pensava essas coisas aos 5 anos quando - como se estivesse rezando um terço eterno - pedia para Deus proteger o meu pai 24h por dia na minha mente (faço isso até hoje acrescentando meus irmãos e meu noivo). Eu já pensava essas coisas aos 5 anos quando decidi que não repetiria os erros da minha mãe. [...] Eu já pensava essas coisas.

"Como se faz para ir a qualquer lugar sem achar isso gigantescamente insuportável? Sem ficar cansada antes mesmo de ir?" (Página 10)
No ápice das minhas crises essa se torna uma tarefa árdua e é uma das coisas que mais me incomoda por dificultar o cumprimento das minhas obrigações diárias.

"A ansiedade é como se existir fosse uma crise de abstinência de algo que não existe” (Página 58)
"O pânico é a necessidade urgente de uma cama que não existe." (Página 62)

"Meus pais estão envelhecendo e isso é triste e assustador." (Página 11)
É desesperador imaginar a minha vida sem o meu pai. Me dá uma aflição tão intensa que só de estar escrever sobre me causou palpitação. Não vou me estender porque realmente não sou capaz, mas espero nunca precisar sentir a dor real de perdê-lo.

"Me toquei de que todos nós morreríamos, minha mãe morreria, eu morreria, aquele casal na minha frente morreria, o cara que eu estava tentando esquecer (e que ideia ir sozinha para Paris!) morreria, o bebê cantor Jordy talvez já tivesse morrido, porque nunca mais se falou dele, e comecei a de fato passar muito mal." (Página 12)
Essa foi a descoberta mais dura da minha vida. A morte é a nossa única certeza, porém nunca havia refletido sobre o que ela significava de fato porque a minha fé era maior do que meus medos. Quando isso mudou e me dei conta do inevitável destino de todos nós foi como se minha mente implodisse. E até hoje tento me reconstruir em meio aos escombros que restaram após toda a destruição.

"É como se minha mente fosse uma chaleira e, de repente, apitasse antes de derramar." (Página 19)
Além de refletir em excesso, eu também penso em todas as possibilidades ruins que podem acontecer com 3 objetivos: 1) tentar impedir que ocorra simplesmente porque me antecipei 2) tomar uma atitude que impossibilite tal fato 3) não ser pega de surpresa. É uma neurose diária, ininterrupta, angustiante e dolorida.

"Eu poderia parar, mas não é o caso. Poderia não pegar outro quadradinho do chocolate. Não é nem pelo prazer, é para “fazer parar”. Acabar com o chocolate para que eu não fique com o pensamento apitando: “tem lá um chocolate”." (Página 84)
Fiquei muito assustada ao ler isso porque SEMPRE fui assim e nunca entendi muito bem o motivo. Enquanto meu irmão comia um quadradinho do chocolate e guardava o resto para depois, eu enfiava tudo na boca porque não conseguia parar de pensar que havia um chocolate na geladeira.

"As pessoas rasas são mais felizes, mas elas nem sentem isso de verdade porque são rasas, então não vale." (Página 88)
E, dentre todas as citações que separei, essa foi a mais reconfortante. Uso muito o termo "pessoas rasas" na minha vida (Léo que o diga 😂) e foi a primeira vez que vi/li alguém o utilizando. Espero não estar sendo redundante, mas é impossível não destacar o quão maravilhoso é não se sentir intelectualmente solitária (não que eu seja um gênio, só não encontrei uma palavra melhor para me expressar 😂). 


CONCLUSÕES FINAIS: Nunca havia me identificado tanto com um livro quanto me identifiquei com esse e acredito que grande parte das pessoas que sofrem de ansiedade também se identificarão, porém se eu tivesse que escolher apenas um grupo de pessoas para recomendá-lo, escolheria aquele dos que convivem com o(s) ansioso(s). Às vezes esquecemos que enfrentar esse mal é tão difícil para nós quanto para quem está ao nosso lado e muita das vezes a intensidade dos sentimentos nos impede de explicá-los e - consequentemente - de sermos compreendidos. Acredito que esse livro possa dar um norte para quem está disposto a ajudar quem ama.


E é isso.

Até a próxima!

Beijos,
Isabella Proença.

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